Seguindo pequenos passos trilheiros
- Juliana Sae

- 17 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Logo no início de uma viagem, que tinha como maior sonho aprender a plantar sementes e reaprender a escutar o tempo e ritmo natural da vida, tive a sorte de passar alguns dias com crianças maravilhosas, que já me deram assim na lata, um grande ensinamento. Um não, uma chuva deles. O palco de tantos aprendizados foi a pequena cidade de São Gonçalo do Rio das Pedras, em Minas Gerais. Por alguns dias pude seguir pequenos passos trilheiros, enquanto fazíamos o caminho até o rio ou para a casa onde era servido o almoço.

Kiki se mostrou um exímio coletor, e foi que foi, seguindo na trilha com sua mochilinha, todo independente, andando sozinho e pedindo ajuda, água e colo quando precisava. Apontava para a trilha e dizia: LONGE. CANSADO. Olhava para mim, os bracinhos levantam e logo vinha o olhar de “me dá colo?” que adulto nenhum resiste.
Sabia tudo o que suas pequenas costas carregavam: canga, dois carrinhos e um pequeno shorts. Sentava para tirar o sapato sozinho antes de ir correndo para uma poça mergulhar os pezinhos nas sensações. E depois do mergulho no rio, pegava sua mochila e dizia: EU. PRONTO.
Tudo o que coletava vinha correndo me dar nas mãos e mostrar: TIA, FOLHA. LINDA.
Assim, bem pausado, bem no ritmo de quem tá começando a falar a língua desse mundo daqui.
Esse pequeno me relembrou como é legal compartilhar nossas descobertas, nossas colheitas, e que fica muito mais gostoso aprender e corporificar algo que vivemos quando a gente mostra pro outro algo que o nosso olhar captou. Me lembrou a potência de coletar como uma forma de percebemos a imensa diversidade em que estamos imersos. A perceber o tanto de vida mais que humana que habita o mesmo espaço que nós humanos, metidos que somos, por vezes esquecendo de olhar para além de nossos próprios umbigos.

Com seus nem um metro de altura, Kiki me encantou com sua longa quilometragem de olhar sensível e entrega. Levou seu corpinho para sentir sensações na água, na terra, na areia, no colo, no urucum e me deixou aqui babando de amor, explodindo de fofura e pensando a delícia que deve ser estar totalmente conectado com o próprio corpo assim.
Logo atrás dele vinha a pequena Tau e sua destreza. Pegou um galho, fez de cajado e foi que foi, exalando confiança e curiosidade, descalça abrindo caminhos com seus pequenos pés de quem nem quatro anos tem.
Caminhar pela trilha com esses pequenos, me fez observar – e admirar - como crianças que já nasceram em um ambiente rodeado de verde, água e terra, têm uma liberdade e autonomia diferentes. O bicho na trilha é motivo de curiosidade e não de susto. A folha da árvore é velha conhecida e o pezinho descalço e cheio de terra quase que procura onde vai pousar: se na poça de barro, se nas pedras do rio ou na grama bem perto das formigas. Tudo é motivo para parar e olhar e interagir. E esse tudo é tão, tão simples!
Criança que brinca na terra, na poça, na grama, que ajuda e ensina o menor, que brinca no quintal, que acolhe, que se diverte com o que têm em mãos ao seu alcance, que é curiosa e que tem tanto para ensinar a nós adultos. Com eles vi o monte de coisas que as vezes deixo passar batido e relembrei o poder de escutar com calma e atenção. Vi de novo pequenas coisas gigantes que meu olhar já tinha se anestesiado e me arrepiei um tanto de outras vezes, assistindo e proporcionando ‘primeiras vezes’ a seres tão pequenos. Pude ver de pertinho o encanto que eles demonstram em suas coletas e como cada folha e pedra encontrada se torna um grande tesouro.

Talvez o maior papel de um adulto que cuida de uma criança seja o de cuidar pra que essa magia e encantamento fiquem o máximo de tempo possível habitando esse pequeno corpo, pra deixar as memórias e primeiras sensações bem marcantes e profundas. Com tempo, calma e espaço.
Estou aprendendo cada dia mais que criança é rio e rio precisa fluir. Com margem, contorno, mas sempre fluir. Nunca retendo, nunca retidão, nunca com mais pressa do que precisa.
Observar, escutar, dar a mão quando precisar de ajuda e ser guia para que esses riozinhos possam fluir pela natureza, explorando e descobrindo a delícia que é Ser Humano.
Sementes com olhos e mãos atentas aprendendo a sentir e a ver o mundo pela primeira vez.
Que presente poder fluir com eles entre ser guia e ser aprendiz!




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