Eu começo e então, a vida vem e me apoia.
- Juliana Sae

- 27 de jul. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 9 de ago. de 2024
Ser artista é uma delícia e também um baita aprendizado. Fazer arte não é difícil pra mim, flui que é uma beleza. O DIFÍCIL É SENTAR A BUNDA PRA FAZER ARTE. É vencer a resistência e parar de pensar. É começar. Venho aprendendo muito sobre rotina, contornos e a importância de constância e limites para artistas.

27 de Julho de 2023. Estou de férias na casa dos meus pais em Sorocaba, cidade que me criou e me viu crescer. Aqui estou vendo nascer uma série.
Puf. Uma série! Quem diria que um dia eu diria isso. Uma artista com coleções e séries, que delícia! Depois de muito navegar por águas de exploração, de firmar no caminho de ser artista, venho aprumando meu barquinho para ser uma artista com constância, com potência e equilíbrio. O nome da série não podia ser outro pra essa libriana que está aprendendo a enraizar e não viver só nas nuvens: 'Tocar o céu com os pés no chão.'
SOU ARTISTA.
Há 2 anos eu olhei pro espelho e fiquei 10 minutos tentando falar em voz alta e com clareza a frase: "Meu nome é Juliana Sae e eu sou artista." Tentando tirar lááá do fundo a artista que sei que morava aqui mas que estavam um pouco sufocada depois de muitos anos empreendendo.
Hoje a frase ainda não sai forte e potente como sei que pode ser, mas já melhorou bastante.
Se alguém me desse hoje muitos dinheiros e me pedisse obras minhas, eu paralisaria. Não tenho uma rotina de criação, não tenho um portfólio porque quando crio algo que gosto muito e vejo sentido, paraliso. O medo de que esvaziei meu potinho de criatividade surge e nem ouso criar novamente por um bom tempo. Medo de passar vergonha, de não criar algo tão bom quanto, medo, medo e mais medo. Que leva a paralisação. Que leva a um eu letárgico e completamente presa no mundo das ideias.
Referências mil, fotos, ideias, sonhos, desejos e planos era o que tinha pra dar e vender até aqui. Artes finalizadas e tiradas do plano mental? Algumas, mas poucas. As coitadas que conseguiram transpor a gigante barreira criada por mim entre o mundo mental e o material, ficaram com tanta pressão que dá pra sentir quando as toco. Pressão das tantas perguntas que rodeiam: quanto cobro por isso? É pra cobrar? Será que alguém compraria isso? Quantos desse preciso vender pra pagar minhas contas?
Muitos blá blá blás que me fizeram esquecer do principal: ARTE PRA MIM, É ESPIRITUAL. Não vem do meu intelecto, mas da minha alma. Do sutil, do invisível se tornando visível.
Arte é pesquisa, é sentir, observar as sutilezas e o todo, é minha maior forma de expressão, é processo, é bonito demais pra ser reduzido a apenas essa pergunta que ficou rondando minha cabeça: "SERÁ QUE ISSO VENDE?"
Arte é conexão. É pra colocar no mundo passinho a passinho, um pouco por dia. Com foco e constância sim, mas sem pressão. Pressa e pressão andam do lado oposto de calma e constância.
Estou de férias em Sorocaba por duas semanas e pouco antes de sair de Cunha finalizei todas as artes que estavam inacabadas. Decidi que o primeiro passo para ser a artista que quero ser, era aprender a manter a bagunça de brincar de fazer arte minimamente organizada. Bagunça demais vira confusão mental, impede o caminho, confunde a rota. Bagunça criativa é bom, amplia possibilidades, dá a sensação de brincadeira.
Quero ser artista que acende vela pra pintar, que recebe guiança de sussurros invisíveis, que não tem vergonha de dizer que recebe orientação de seus guias espirituais, que sente o topo da cabeça formigando quando pinta mas também quero ser artista que tem séries e coleções, que tem foco e rotina, que sabe colocar em palavras seus processos, que termina o que começa, que coloca no mundo aquilo que intuiu e sentiu. Que as vezes cria por criar e que as vezes também cria para espalhar por aí. Que sente e também vende. Que sabe cobrar pelo seu trabalho e sabe receber.
Preciso ter a base de pesquisa, de rotina de uma artista confiante e centrada no seu caminho. Com fé e conectada. Fé é pra andar bem pertinho do dia a dia, não é pra ficar confinada só no terreiro, na oração, nos momentos de introspecção. Quero a fé comigo em cada pincelada, em cada finalização de uma pintura, em cada troca que faço com o mundo.
O que venho desenhando aqui em Sorocaba está vindo de um lugar conhecido: o da entrega. Percebo que estou pouco a pouco exercitando essa musculatura de estar com os pés no chão e ao mesmo tempo aberta ao sutil. Com o coração na mão pra colocar no papel o que sinto mas também com os pés bem firmes no chão para não sair voando por aí.

Essa série toda estou vendo nascer com pinceladas feitas em momentos de entrega e dedicação que em algum momento precisaram ser iniciados com vontade (alô guias, ajuda aqui!) e pausados para ir fazer almoço, compras para a casa, alongar, trabalhar no Quintal Brincante, sentar a bunda na frente do computador para trabalhar em Newsletter para Corretora de Seguros. E é assim que precisa ser pra eu aprender cada vez mais a exercitar essa musculatura: pés na terra bem firmes para que eu possa tocar o céu.
O que venho desenhando me surpreende, se transforma no meio do caminho. Se junta ao que minha mente coletou: referências, técnicas de sombra e cor, composições no papel. Mas a maior parte está vindo de pequenas coisas que me chamam: o formato da árvore do quintal, o pássaro que cruza o caminho caminhando com Fê no parque, as formas e texturas infinitas das folhas e flores, as geometrias que aparecem quando o olho se fecha, o formato do vapor no vidro durante o banho quente. Uma grande lambança na qual estou aprendendo a navegar.
Meu papel é começar: pegar o caderno, o lápis, desenhar. Iniciar, me concentrar, conectar e entregar. Depois, sinto que a coisa vai surgindo por si só. O desenho vai tomando o rumo que ele quer tomar, minha mão tá ali sendo guiada. Quanto mais eu colocar a mente nesse papel importante inicial de COMEÇAR e depois agradecer e deixá-la silenciar, mais arte vai brotar daqui. E o que preciso pra começar é tão pouquinho. Uma forma, uma folha, um rosto. Um passinho por vez, um pouquinho cada dia.
O grande e a composição final virão como ajudas e companhias, quase como um presente e um agradecimento: obrigada por ter começado, a gente só chega depois que você começa, que você faz o primeiro risco na folha em branco, depois que você dá o primeiro passo, depois que você pede ajuda e apoio, depois que você se acalma, depois que você acende a vela, depois que você fecha os olhos, depois que você se abre pra ser guiada e depois que você confia em nós. Você começa, a gente chega.

Mulheres de olhos fechados, rodeadas de seres mais que humanos,
mas sempre, de alguma forma, com raízes ancorando-as aqui, no chão, na terra, no agora.
O natural e fluido se harmonizando com a régua e a estrutura.
Um plano de fundo com linhas retas e diretas sendo base estruturada para que na frente, se desenrole a narrativa que estava esperando essas bases para vir pro primeiro plano e ser vista.
SOLTAR E AGIR.
É preciso intencionar, pensar, sonhar, planejar e depois, é preciso agir. É PRECISO MOVIMENTAR.
SAIR DA CABEÇA.
E enquanto faço o movimento, confiar que a vida me apoia.
Ouvi uma vez que 'é preciso deixar a vida fazer seu papel' e fez um sentido danado.
Equilibrar aquilo que é da minha alçada com o que não é. Equilibrar o meu movimento com a abertura para receber o que estou pronta para receber.
Meu papel é começar. É TRABALHAR. É FAZER ARTE. É PEGAR O PINCEL NA MÃO E ESCOLHER A PRIMEIRA COR. O resto vai vindo. Meu papel é ultrapassar o medo e a resistência. Me manter ativa e comprometida com minha vida, com meus sonhos, com o que quero ser e ver no mundo. E aí, a vida faz a parte dela.
Eu começo e aí então, a vida vem e me apoia.
Não é só com a cabeça que resolvo as coisas.
Eu cuido da minha parte e a vida do restante.
Para ser uma mulher artista e educadora nesse país, é preciso ter fé e confiar - para não surtar kkkkry.
A IMPORTÂNCIA DE ARTISTAS TEREM COLEÇÕES.
Pessoas com mentes criativas e mãos criadoras estão sempre rodeadas de criações. Criações essas que quaaaase sempre são diversas seja em temática seja nos materiais usados. Não foram poucos os amigos e amigas artistas com quem conversei que me relataram a mesma angústia: criar um pouco de muito e ver muito pouco materializado.
Um dia olhei pro meu ateliê e vi: colagens em feltro não terminadas, um montaréu de flores secas e teares também em andamento, pinturas em aquarela, adivinha? Não terminadas...e mais mil coisas que nem lembro mais.
Eu estava cansada. Queria ter repertório de que sou capaz de finalizar coisas. Queria parar de ter um portfólio de obras pulverizado e ver uma coleção. Queria me ver sendo constante.
E não me entenda mal, sou a primeira a dizer que manter interesses diversos e deixar bem viva e acessa a chama da curiosidade é o que faz a vida colorida. Mas venho entendendo que as vezes é preciso delimitar, escolher. Tal qual fazemos com as crianças: dar contorno e margem. Limites! Palavrinha tão importante e as vezes tão renegada, coitada. Gosto tanta da pergunta que orienta muitas das minhas criações: o que consigo criar com o que tenho em mãos hoje? Aqui, agora. Sem me perder nas infinitas possibilidades e caminhos possíveis.
Ando falando comigo mesma igual falo com as crianças. Valido o desejo, ouço o que brota de mim, deixo o 'querer' vir pro mundo sem silenciá-lo logo de cara afinal, mulher foi ensinada desde sempre a ter culpa e sufocar seu desejo e o que mais quero na vida é aprender a matar a culpa e salvar o desejo.
Venho dizendo para mim mesma: "Legal Juju que você viu esse curso de bordado. Eu imagino que deva ser muito legal mesmo! Mas lembra que agora você se comprometeu a terminar todas as colagens de feltro não acabadas, pra só então passar para a próxima coisa? Você consegue! Eu confio em você e você também pode confiar."

Minha primeira coleção finalizada: colagens em feltro.
Foi assim que nasceu essa minha primeira coleção aí em cima: comigo aprendendo a dizer alguns nãos para mim mesma pra que os meus maiores SINS pudessem virar realidade.
Vi que preciso ter uma linha guia pro que crio, se não fico perdida no meio de tanta opção, de tanto pensamento e acabo não criando, logo fico frustrada pra caramba. FOCAR, escolher um caminho e seguir até o fim, curtindo o processo, pra só então escolher outro rumo a tomar.
Como muitas artistas, não tenho problemas em ter ideias, mas sim em colocá-las no papel. Em vencer a resistência, as milhares de outras opções, o medo.
Fico tentando PENSAR minha arte sendo que ela vai nascer a partir do momento que eu der o primeiro passo: fizer a primeira linha, a primeira pincelada, a primeira meditação com vela no ateliê.
Seguir sem me distrair, sem me comparar, sem me auto boicotar.
Consistência, um passo por dia, um pouquinho por dia.
COM FÉ.
Confiando em mim e no invisível que guia minha mão e
minha vida quando eu me coloco em movimento.
O lembrete diário que pode ser de grande apoio para você também é: não me perder na liberdade de ideias e possibilidades.
TER CONTORNOS, LIMITES E METAS NÃO LIMITA MAS AJUDA (E MUITO) MINHA CRIATIVIDADE.
Escolher uma linha guia e segui-la. ANCORAR.
Deixar nascer e brotar antes de racionalizar e de mostrar pro mundo.
Encerro com o grande mestre sabido que só Chico César e sua música Deus me proteja de mim.
Para lembrar de viver sempre em estado de poesia - com os pés bem firmes no chão sim, mas sempre, sempre em estado de poesia.
"Caminho se conhece andando
Então vez em quando é bom se perder
Perdido fica perguntando
Vai só procurando
E acha sem saber
Perigo é se encontrar perdido
Deixar sem ter sido
Não olhar, não ver
Bom mesmo é ter sexto sentido
Sair distraído espalhar bem-querer"

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